Jéssika Cruz: projetando com intencionalidade

Jéssika Cruz: projetando com intencionalidade

A arquiteta, especialista em Design de Interiores e em Neuroarquitetura, acredita que um bom projeto de interiores pode transformar a residência em refúgio e impactar positivamente a saúde de seus moradores

De uma criança dinâmica e ativa, que praticou dança, artes plásticas e marciais a uma jovem determinada, envolvida em inúmeras causas sociais, que decidiu cursar Arquitetura, e antes mesmo da formação, entrar no mercado de trabalho. Isso é um panorama da trajetória da arquiteta Jéssika Cruz. Acreditando em uma política social inclusiva e mais humana, Jéssika começou seus trabalhos voluntários aos 17 anos, sendo membro, nesta época, da Associação de Moradores e do Conselho Municipal da Mulher, o que a proporcionou receber uma Moção de Aplausos da Prefeitura Municipal de Cuiabá, aos 21 anos.

A ilustre moradora queria fazer mais por sua cidade e enxergou, na futura profissão, a possibilidade de trabalhar do micro ao macro, podendo beneficiar uma pessoa ou um município inteiro. Formada em Arquitetura e Urbanismo, pela Universidade de Cuiabá em 2016, ela é, ainda, Especialista em Design de Interiores – Ambientação e Produção de espaços e Master em Neuroarquitetura pelo IPOG.

Apartamento com área gourmet integrada e adega

Desde o início da graduação, em 2011, a arquiteta começou a atuar na área, iniciando em uma construtora com projetos de rodovias e terraplenagem. Ela também passou pelas áreas de projeto arquitetônico, interiores e na elaboração de trabalhos voluntários para obras sociais. Não podemos deixar de mencionar sua participação no Conselho Municipal de Planejamento e Desenvolvimento Urbano de Cuiabá e Instituto de Arquitetos do Brasil. “Com o tempo entendi que cada um desses passos foi importante para construir meu caráter pessoal e a profissional que sou. A graduação seria apenas o início da jornada”, conta a arquiteta que, hoje, está à frente do próprio escritório, gerindo projetos com enfoque no Design de Interiores e Neuroarquitetura.

Com especialidade em Design de Interiores e Neuroarquitetura, contextualize o que é Neuroarquitetura e a sua importância para a concepção de projetos arquitetônicos.

Por meio dos estudos elaborados pela neurociência, conseguimos estudar os impactos que os ambientes causam no sistema nervoso. Esses estudos nos proporcionam ferramentas que podem ser aplicadas na elaboração do ambiente, melhorando a qualidade de vida, bem-estar e saúde das pessoas.

Uma das coisas mais fantásticas nesta área é a possibilidade de projetar com intencionalidade, ou seja, com objetivo. O projeto deixa de ser superficial e passa a conter elementos importantes para o cliente.

Bandeja em metal, espelho e madrepérola

Como e onde você busca inspiração para seu trabalho?

Não posso negar que as maiores inspirações são durante minhas viagens (agora um pouco restritas pelo momento sensível que vivemos). Já passei por alguns países em busca do entendimento da Arquitetura e também da tecnologia utilizada nas residências e nos hotéis que estive. Em Machu Picchu, tive a oportunidade de conhecer o sistema construtivo utilizado pelos Incas (e é surpreendente!); em Cusco, tive contato com a mistura alegre de cores e tecidos diferentes dos que estamos acostumados. No interior de Minas Gerais, conheci um pouco sobre bioconstrução, a sintonia das construções com a natureza e a valorização da vista externa.

 Em um post no Instagram, você comenta sobre “casa refúgio”, que não necessariamente ela precisa ser à beira de uma praia, na fazenda ou topo da montanha. O que torna a casa um refúgio e como conseguir isso?

Se olharmos para o dicionário, ele nos dá os seguintes significados para a palavra refúgio: local tranquilo que oferece paz, tranquilidade, sossego: refúgio ambiental. 2. Lugar que alguém procura para fugir ou para se livrar de um perigo; abrigo. 3. Aquilo que serve para amparar, para proteger ou confortar; amparo.

Definição que me permite entender que não é necessário estar fora para obter o que buscamos, pelo contrário, é preciso estar dentro. E se temos paredes e teto para nossa proteção, por que não colocar dentro disso tudo o que é importante para o nosso sossego? Minha busca é pela casa de verdade, aquela onde se pode sentar com os pés no sofá para curtir um filme com a família em um sábado à tarde ou se deitar no tapete rodeada de almofadas macias.

Para conseguir isso, é preciso conhecer a sua própria essência, pois é quando a externalizamos que o projeto começa a evoluir, tornando a casa cada vez mais acolhedora, especial e única. É o lugar que você deseja estar após uma viagem, o cantinho que você mais quer após um longo dia de trabalho, por isso eu digo que não importa o que tem do lado de fora, você cria uma conexão com o espaço.

Banheiro contemporâneo revestido de Mármore Paraná

Neste mesmo post, você menciona a importância da entrada de luz natural. Com isso, é possível dizer que a falta dela pode prejudicar não só o espaço como também o nosso organismo? Explique melhor o conceito de ciclo circadiano e a relação dele com isso.

Sim, temos diversos estudos que comprovam que a ausência de luz natural prejudica nossa saúde. O ciclo circadiano é, basicamente, o relógio do nosso organismo. É a partir da regulagem dele que temos os melhores horários para nossas atividades como: estudar, trabalhar, fazer digestão, ativação da mente e força muscular.

Através do controle da iluminação artificial e natural, por exemplo, é possível auxiliar na redução do cortisol e aumento na produção de melatonina. O efeito prático disso é a diminuição do estresse e melhoria do sono.

Você compartilhou com seus seguidores que já chegou a esperar mais de um mês para a escolha da bandeja ideal para o cantinho do café de uma cliente. Você acredita que detalhes fazem a diferença? Como saber quando é a hora certa de escolher os itens e quais se enquadram melhor aos projetos que desenvolve?

Sem dúvidas! Acredito que quando o cliente está realmente conectado com a nova casa, ele segue essa mesma visão. Entendo que vivemos em um mundo cada vez mais imediatista, estamos impacientes, ansiosos e querendo tudo pronto para ontem. Faço questão de lembrar aos clientes que pode ser mais vantajoso esperar alguns dias ou meses para ter aquilo que realmente se conecta com eles e com a história de vida do que usar algo provisório ou que não faz sentido algum. Eu prezo por um processo leve. Desde o nosso primeiro contato, o objetivo é compreender quem os meus clientes são, o que gostam de fazer, com o que trabalham e o que querem sentir ao entrar em casa.

Uma decoração “vazia”, superficial, serve apenas para fotos e capa de revista, comigo, o objetivo é vivenciar a casa. Quando a gente ama alguma coisa, é fácil perceber o brilho nos olhos, e é isso que levamos para o resto de nossas vidas. É olhar para um objeto na decoração e saber que ele foi especialmente escolhido para estar ali porque atrai boas lembranças. É ver um livro com imagens de lindos lugares que visitou, ter um espaço de memórias, obras de arte que contam histórias e algumas peças de mobília assinadas por designers, que, aliás, temos brasileiros incríveis.

Fachada residencial

Você comenta que um de seus maiores desafios foi um projeto que integrava área gourmet com sala de jantar/estar, que chegou até mesmo a estudar bons vinhos. Como funciona este seu trabalho de imersão no estilo de vida de seus clientes?

Eu gosto de compreender meus clientes e, em algumas situações, preciso mergulhar em experiências para me colocar no lugar deles e também uso isso como amadurecimento profissional. O objetivo desse projeto, em específico, era ter um ambiente agradável para uma boa noite de vinhos, entre eles ou com os amigos. O mundo dos vinhos era praticamente desconhecido para mim, por isso investi tempo em algumas aulas, comprei alguns vinhos indicados pelo cliente e assim que pude, fiz uma viagem para conhecer uma vinícola e viver uma experiência de enogastronomia. Confesso que hoje sou eu que não deixo a minha adega vazia!

Mas falando sobre o projeto, percebi que deveria conter alguns elementos fundamentais para tornar estes momentos mais especiais. O primeiro passo foi a integração dos ambientes, removendo a sacada existente e criando uma grande área livre para moldarmos o layout. Além da escolha de adegas que pudessem preservar as garrafas em segurança, trabalhamos com sistema de automação para cortinas, iluminação e sonorização. Assim, eles podem ter o conforto de ajustar a playlist pelo celular, ligar o ar-condicionado com antecedência e controlar a intensidade da iluminação, mesmo que ainda não estejam em casa.

Quarto infantil

Alguns dos empreendimentos do Vinhedos serão condomínios de apartamentos. Com a sua expertise em Neuroarquitetura, quais os principais pontos levados em conta para ambientar os espaços neste tipo de imóvel?

Como tenho um público jovem, é muito comum que a escolha para iniciar a vida seja justamente morar em apartamentos. A escolha é mais cômoda, vezes por facilidade de manutenção, outras pela preferência de ter uma vista do alto (me incluo nesse time).

Apartamentos já são vistos como locais mais isolados, mas não significa que não podemos aplicar estratégias para fazer deles os verdadeiros refúgios que citei. Eu evito utilizar elementos como plantas artificiais e tecidos sintéticos. Uma boa solução é optar por madeira, pedras naturais, utilização de plantas, e quando possível, elementos com água. Cores mais leves e texturas mais orgânicas também são bem-vindas. Um ponto positivo para os apartamentos é que quase sempre possuem boa ventilação, o que facilita na purificação do ar, evitando o acúmulo de ácaros e proliferação dos fungos, fundamento relevante para manter os ambientes saudáveis.

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